Faz
tempo que estou devendo este texto ao meu ex-aluno Felipe Diniz. Pediu que eu falasse sobre a experiência do Facebook,
sobre as implicações dessa experiência para as relações humanas. Agora que
sentei para escrever sobre a temática, lembrei-me de Bauman, sociológico
polonês radicado na Inglaterra, o qual do alto de seus oitenta e seis anos e
dono de uma mente jovial comentou, durante entrevista, que um viciado do Facebook havia se gabado por ter conseguido fazer
quinhentos amigos no Facebook e em apenas um dia. Ao que Bauman retrucou que,
nos seus oitenta e seis anos de vida, não conseguira fazer quinhentos amigos,
enfatizando que quando falavam em “amigos”, embora a palavra seja a mesma, ele
e seu interlocutor estavam a falar de algo distinto, diferente. Com efeito, ao
falar “amigo” Bauman está a falar concomitantemente em relação de afeto,
confiança e, sobretudo em laços tecidos entre os humanos com expectativas de
durabilidade. O jeito como fala de amizade remete-nos a raposa e ao pequeno
príncipe, personagens de Saint-Exupéry, ao famoso diálogo sobre o cativar, a
amizade e os laços humanos. Permita-me transcrever parte do mesmo:
“Que quer dizer cativar? – perguntou o pequeno
príncipe.
- É uma coisa
esquecida – disse a raposa – Significa criar laços.
- Criar laços? –
Perguntou o principezinho.
- Exatamente –
disse a raposa – Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem
outros mil garotos. E eu não tenho necessidades de ti. E tu também não tens
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras
raposas. Mas, se tu me cativas, teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo e eu serei para ti
única no mundo.
(...)
- A gente só
conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa. (...) Se tu queres um
amigo, cativa-me.
- O que é
preciso fazer ? – Perguntou o principezinho.
- É preciso ser
paciente – respondeu a raposa”.
Ao
contrário da raposa, do pequeno príncipe, de Bauman e de Saint-Exupéry, o
viciado do Facebook de que falou Bauman é filho da sociedade de consumo, dessa
sociedade que aprendeu a comprar tudo pronto nas lojas, sociedade dos laços
provisórios, líquidos, efêmeros, na qual o tempo de consumo, de fruição das
coisas e mesmo das relações humanas não deve ultrapassar a duração de um
clique. E com um simples clique faz-se de repente quinhentos amigos, os quais
são instantaneamente descartados, também com um simples clique, desde que não
comungue com nossas ideias, valores, ideais. Nessa sociedade do consumo
queremos um amigo feito a nossa medida. Nada de amigos que questionem,
provoquem, desafiem, se posicionem contrários a nossa opinião e comportamento.
Na era do Facebook, fazer amigo é coisa fácil e descarta-los mais fácil ainda.
Como se diz, basta clicar a tecla “delete” e pronto, agora não faz mais parte
de nossos contatos, foi excluído, banido de nossa vista, segregado de nossa
lista e isto sem que seja preciso inventar quaisquer desculpa. Como lembra
Bauman, romper amizade olho no olho, corpo a corpo é sempre uma coisa muito
difícil. Temos, não raramente, de inventar desculpas, as quais podem ser e quase
sempre são rebatidas. Romper amizade cara a cara é sempre um processo muito
doloroso, do qual a experiência do Facebook nos liberta. Pena que esta
liberdade é conquista a um preço deveras muito alto, pois se, por um lado, o Facebook
nos permite descartar rapidamente, por outro lado, nos tira a chance de termos
relacionamentos verdadeiros, nos rouba o prazer de tecermos laços com outros,
de construirmos relações de confiança. Ainda citando Bauman, é muito prazeroso
ter alguém em quem confiar e pelo qual ou pela qual podemos fazer alguma coisa.
Esse tipo de experiência está excluída para
milhões de viciados do Facebook, muitos dos quais não sabem sequer o que
perderam, pois nunca tiveram a chance de vivenciar tal situação. Creio que o
grande desafio que está colocado para nossas gerações e, sobretudo, para as
gerações mais jovens é o resgate dos laços humanos, é a aprendizagem do criar e
regar esses laços, reconhecendo, com a raposa, que só conhecemos bem as coisas
e pessoas que cativamos. Podemos até conectar e desconectar com um clique, mas
fazermos amigos, criamos laços, não é algo que consigamos por meio de um simples clique, simplesmente
porque, como disse a raposa, para cativar temos que ser paciente, sentarmos
primeiro um pouco longe, permitir que o outro nos olhe com o canto do olho, e
cada dia sentarmos mais perto.