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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Pelas mãos do Pequeno Príncipe e de Bauman ou sobre Facebook e amizades


Faz tempo que estou devendo este texto ao meu ex-aluno Felipe Diniz.  Pediu que eu falasse sobre a experiência do Facebook, sobre as implicações dessa experiência para as relações humanas. Agora que sentei para escrever sobre a temática, lembrei-me de Bauman, sociológico polonês radicado na Inglaterra, o qual do alto de seus oitenta e seis anos e dono de uma mente jovial comentou, durante entrevista, que um viciado do Facebook  havia se gabado por ter conseguido fazer quinhentos amigos no Facebook e em apenas um dia. Ao que Bauman retrucou que, nos seus oitenta e seis anos de vida, não conseguira fazer quinhentos amigos, enfatizando que quando falavam em “amigos”, embora a palavra seja a mesma, ele e seu interlocutor estavam a falar de algo distinto, diferente. Com efeito, ao falar “amigo” Bauman está a falar concomitantemente em relação de afeto, confiança e, sobretudo em laços tecidos entre os humanos com expectativas de durabilidade. O jeito como fala de amizade remete-nos a raposa e ao pequeno príncipe, personagens de Saint-Exupéry, ao famoso diálogo sobre o cativar, a amizade e os laços humanos. Permita-me transcrever parte do mesmo:
 “Que quer dizer cativar? – perguntou o pequeno príncipe.
- É uma coisa esquecida – disse a raposa – Significa criar laços.
- Criar laços? – Perguntou o principezinho.
- Exatamente – disse a raposa – Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem outros mil garotos. E eu não tenho necessidades de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, teremos necessidade um do outro. Serás  para mim único no mundo e eu serei para ti única no mundo.
(...)
- A gente só conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa. (...) Se tu queres um amigo, cativa-me.
- O que é preciso fazer ? – Perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente – respondeu a raposa”.
Ao contrário da raposa, do pequeno príncipe, de Bauman e de Saint-Exupéry, o viciado do Facebook de que falou Bauman é filho da sociedade de consumo, dessa sociedade que aprendeu a comprar tudo pronto nas lojas, sociedade dos laços provisórios, líquidos, efêmeros, na qual o tempo de consumo, de fruição das coisas e mesmo das relações humanas não deve ultrapassar a duração de um clique. E com um simples clique faz-se de repente quinhentos amigos, os quais são instantaneamente descartados, também com um simples clique, desde que não comungue com nossas ideias, valores, ideais. Nessa sociedade do consumo queremos um amigo feito a nossa medida. Nada de amigos que questionem, provoquem, desafiem, se posicionem contrários a nossa opinião e comportamento. Na era do Facebook, fazer amigo é coisa fácil e descarta-los mais fácil ainda. Como se diz, basta clicar a tecla “delete” e pronto, agora não faz mais parte de nossos contatos, foi excluído, banido de nossa vista, segregado de nossa lista e isto sem que seja preciso inventar quaisquer desculpa. Como lembra Bauman, romper amizade olho no olho, corpo a corpo é sempre uma coisa muito difícil. Temos, não raramente, de inventar desculpas, as quais podem ser e quase sempre são rebatidas. Romper amizade cara a cara é sempre um processo muito doloroso, do qual a experiência do Facebook nos liberta. Pena que esta liberdade é conquista a um preço deveras muito alto, pois se, por um lado, o Facebook nos permite descartar rapidamente, por outro lado, nos tira a chance de termos relacionamentos verdadeiros, nos rouba o prazer de tecermos laços com outros, de construirmos relações de confiança. Ainda citando Bauman, é muito prazeroso ter alguém em quem confiar e pelo qual ou pela qual podemos fazer alguma coisa. Esse tipo de experiência  está excluída para milhões de viciados do Facebook, muitos dos quais não sabem sequer o que perderam, pois nunca tiveram a chance de vivenciar tal situação. Creio que o grande desafio que está colocado para nossas gerações e, sobretudo, para as gerações mais jovens é o resgate dos laços humanos, é a aprendizagem do criar e regar esses laços, reconhecendo, com a raposa, que só conhecemos bem as coisas e pessoas que cativamos. Podemos até conectar e desconectar com um clique, mas fazermos amigos, criamos laços, não é algo que consigamos  por meio de um simples clique, simplesmente porque, como disse a raposa, para cativar temos que ser paciente, sentarmos primeiro um pouco longe, permitir que o outro nos olhe com o canto do olho, e cada dia sentarmos mais perto.


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