"Só então me dei conta
de que o amor não é apenas fonte de felicidade
ou um jogo, mas parte da incessante tragédia da vida,
tanto sua eterna maldição quanto a força avassaladora
que lhe dá sentido".
Nadezhda Mandelstam.
Pelo menos até o dia do ocorrido, L.H. era um sujeito centrado, como todos os sujeitos centrados. Tal qual
H.G[i]. ele também trazia
suas inicias em sua velha carteira estragada, da qual ele tanto gostava.
Aprendera a suportar o mundo, embora, no mundo, se sentisse como um peixe fora
d’água; aprendera a suportar as pessoas com as quais convivia e para as quais
tinha sempre um sorriso nos lábios e ternura no olhar... Aprendera, às duras
penas e através de muitas lágrimas, a suportar a si mesmo. Já estava mesmo
ficando bom nisso de suportar-se e suportar o insustentável peso do mundo.
Quando tinha dez anos, seu pai o levou ao México e foi lá que um velho feiticeiro,
por nome de Dom Juan falou que “ela”
viria. "Como um tsunami, sem aviso
prévio", disse-lhe o velho. Muito tempo mais tarde, a cigana que leu
sua mão não quis dizer o que viu, entregou-lhe o dinheiro de volta: “fique
com seu dinheiro, moço... Não vale a pena contar tudo que vejo, não vale a pena
sofrermos duas vezes”. Na noite anterior ao ocorrido, contrariando as
palavras do antigo feiticeiro, ouviram-se o canto dos galos, antes da meia
noite, coisa que para sua falecida avó era tida como mau presságio. A meia
noite em ponto, todos os cães da cidade começaram a ladrar e a correr
desesperadamente, mas para L.H. aquilo não passara de um incidente normal,
desafiando a anormalidade do presente. Ao acordar, pela manhã, tomou o café de
sempre, com pão quentinho e ovos frescos; escovou os dentes, beijou a esposa, deu
bom dia ao vizinho, entrou apressadamente no carro. Durante o trajeto para o
trabalho, errou duas vezes o caminho, o que definitivamente parecia fora de
ordem. Na terceira rua, à esquerda, teve que frear rápido, para não atropelar um
gato preto que atravessava a rua, correndo atrás de um camundongo que, no
momento seguinte, enfiara-se no bueiro. Também ele entrou correndo no
escritório, onde uma pilha de papéis esperava pacientemente sua assinatura, a
qual ele colocava sempre com muito desvelo. No finalzinho da tarde, quando
todos os funcionários iam embora, ele costumava ficar sozinho, e era então que
entrava em contato com o que tinha feito de si mesmo. Foi no final daquele dia,
quando L.H mirava o próprio interior que, sem ao menos bater na porta, “ela”
entrou. “Procurava o Sr. K.”, sem sequer dar-se conta de que havia
entrado no compartimento errado. Enquanto falava, seus olhos se encontraram com
os de L.H fazendo-o sentir calafrios no corpo. Do resto encarregaram-se suas
sobrancelhas pintadas e o pequeno sinal que trazia no rosto. Para L.H. foi tudo
muito de repente, um instante: e de repente uma estrela cadente caia no mar; o
mundo roía a seus pés, seus fantasmas todos lhe visitavam e, em sua alma, ondas
gigantes se formaram. Ao longe se podia ouvir a voz de Caetano: “eu te quero só pra mim, (...) mimar você,
nas quatros estações...” Com vertigens, L.H. apegou-se a única janela que havia no
compartimento e cujo vidro estava molhado pelas pequenas gotas d’água da chuva,
que caia vagarosamente.
Mar, eu gostei do texto, meio dramático. qd diz 'ela chegou' foi a dita cuja, que a envolveu em seus braços, levando o ao plano eterno. eu te quero só p min vc mora em meu coração, citando Caetano veloso. lembra aquela música do legiao urbana. "vento no litoral"... olha só o que achei; cavalos marinhos...
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